Dicas para
enfrentar, sem medo, a hora de responder àquelas perguntinhas difíceis com
respostas complicadas sobre um assunto que você sempre procura evitar...
Mais dia, menos dia, essa
pergunta vai chegar e seus filhos vão querer saber com detalhes como é que
saíram da sua barriga. Pior: como curiosidade infantil não tem limite, eles vão
perguntar como é que foram parar lá dentro! E essa, acredite, é uma das formas
mais suaves que o assunto sexo pode começar a aparecer no diálogo entre você e
as crianças. Lá em casa, eu confesso, foi bem mais radical. Não que o tema seja
um tabu, longe disso. Apenas a forma foi, digamos, moderna demais, o que nos
faz perceber que nem sempre temos, como gostaríamos, o controle sobre o destino
dos filhos. Luiza viu um site de sacanagem na casa de um amigo. Vinicius
assistiu a um DVD pirata de um filme infantil que alguém deu de presente... mas
não era um filme infantil. Era um pornô de quinta categoria. E agora? O que
fazer?
O primeiro alívio veio da constatação de que ambos relataram os
incidentes. Luiza, hoje com 11 anos, tinha 7 quando foi brincar na casa de um
amigo da escola. Com a gente, o acesso à internet é controlado, meus filhos não
têm computadores nos quartos, há um só para a família toda e quando ela quer
entrar nos sites, a gente fica de olho. Mas na casa dos outros as regras são
diferentes. O amigo de Luiza tinha um computador no quarto, teoricamente com
filtros. Mas, naquele dia, a máquina não impediu o acesso de duas crianças a um
endereço de pornografia na internet. Luiza voltou da casa do amigo com o
endereço eletrônico gravado na memória. Era um nome de mulher no diminutivo. A
história se espalhou na escola, e ela foi “acusada” de ter sido a mentora do
“passeio” virtual. Sabíamos que ela não tinha esse instrumental… O coleguinha
acabou admitindo a falha. E minha filha nos mostrou o site. Quase caí da
cadeira.
Vinicius,
8 anos, acordou mais cedo do que a família inteira, como é hábito nos finais de
semana. Como a televisão é liberada apenas aos sábados e domingos, ele costuma
ver seus programas preferidos logo de manhã. Criança, lá em casa, não vê
novela, nem Big
Brother. Desenho pode. Filme infantil também. Pois tanto cuidado
para zelar pela qualidade das imagens que alimentam aquela alma em formação não
adiantou. Naquele sábado, o filme que uma tia tinha comprado no camelô,
baratinho, só para fazer um agrado fora de hora às crianças, estava em cima da
mesa. E o péssimo hábito de se oferecer o pirata de um filme recém-lançado no
cinema acabou muito mal. Sozinho, às sete da manhã, Vico colocou o filme no
DVD. Quando o pai se levantou, ele estava assistindo aos desenhos animados na
TV como de costume. Pegou a caixa do filme, entregou ao pai, e disse: “Esse
filme é uma porcaria”. Num primeiro momento, achamos que ele não tivesse
gostado do filme novo… Mas ele explicou logo: “Tem umas bundas, umas mulheres
peladas, uns caras fazendo xixi na boca das mulheres…” Quase caí de costas.
Nos dois casos, passado o susto, o que fiz foi abrir espaço para
as dúvidas. Segui, intuitivamente, as recomendações que estão em todos os
livros que se propõem a ajudar os pais na delicada tarefa de conversar com as
crianças sobre o assunto. “É preciso agir de maneira natural em relação à sexualidade”,
dizem os especialistas, como um mantra. Foi o que tentei fazer. Aquelas imagens
todas, vistas assim, sem nenhum preparo, por gente pequena demais para entender
o significado daquilo, poderia causar estragos e confusão. As perguntas que
surgiram então foram as mais surpreendentes e deram a dimensão do quanto o tema
sexo pode ser rico e proveitoso para aproximar pais e filhos. E também
reveladoras do quanto a gente se engana, achando que as crianças não sabem de
nada…
Para mim, Luiza era de uma ingenuidade absoluta quando viu o tal
site, mas já nas primeiras conversas que tivemos depois do ocorrido percebi que
ela tinha algumas noções de como as coisas aconteciam entre os adultos. De
cara, pedi para que ela me dissesse o que tinha estranhado no site, o que não
havia entendido e o que achava que era tudo aquilo. Eu precisava saber o limite
da dúvida, até aonde ia o desconhecimento. “O importante é que os pais cuidem
dessa passagem de informação e respondam o que de fato a criança está
perguntando”, afirma Maria Helena Vilela, do Instituto Kaplan – Centro de
Estudos da Sexualidade Humana. “Se for uma pergunta simples e o pai ou a mãe
der uma aula, a criança vai bloqueando a procura por eles como fonte de
respostas. Os pais precisam ser objetivos, simples e práticos. E usar linguagem
própria para a criança.” Por sinal, a situação de tentar explicar mais do que a
criança quer saber é tão comum que virou piada. Como a do menininho que
pergunta ao pai: “De onde eu vim”, ouve um discurso imenso sobre sexualidade e,
ao fim do monólogo paterno, solta um: “Nossa, com o meu amigo foi muito mais
simples. Ele veio de Porto Alegre”. A psicóloga e sexóloga Carla Cecarello,
coordenadora do Projeto AmbSex, também acredita que os pais precisam ser
rápidos e objetivos nas respostas, porém podem – e devem – contextualizar o
assunto, falar sobre sentimentos como amor e respeito, por exemplo.
No meu caso, como a Lu tinha visto muitas coisas, digamos, menos
usuais, precisava ter certeza sobre o que ela tinha entendido daquilo. E ela
achou muitas coisas “nojentas”, o que aumentou muito meu desafio. Como deixar
claro que o sexo é natural, é bom, faz bem, é saudável, se a criança tomou
contato com pornografia da pesada? Falando exatamente isso… Que sexo, quando
realizado entre duas pessoas adultas, que se gostam, faz bem e dá prazer. E
que, para fazer bebês, era preciso fazer sexo. Aí veio a pergunta inevitável:
“Mãaaaaae, você faz ISSO com o meu pai?”
Muitos pais ficam constrangidos diante do tema, o que não foi o
meu caso. Conversei com a Luiza, expliquei que, sim, a mamãe e o papai fizeram
sexo para que ela pudesse ser “produzida”, e que continuavam fazendo, pois é
uma forma de carinho entre os casais. Fazer o quê? Eu tinha que falar a
verdade. Pode ser que tenham detalhes que alguns pais não se sintam à vontade,
e não há nenhum problema nisso. Mas o constrangimento pode bloquear a
comunicação.
Claro que algumas situações
são, no mínimo, desconcertantes. Imagine ser flagrado pelos filhos bem na hora
da transa. “É preciso explicar que ‘aquilo’ é uma forma de namoro de adulto,
que papai coloca a sementinha na mamãe, checar se a criança quer fazer alguma
pergunta”, diz a especialista Maria Helena. O melhor é ter certeza do que a
criança viu e o que achou que era. Às vezes nem percebeu. Em outras, podem
achar tudo muito agressivo. Nem sempre também é preciso um flagrante visual.
Algumas crianças vão questionar o que são “aqueles barulhos que vocês fazem
quando estão no quarto”. O importante é agir da mesma forma: com clareza e
sinceridade.
Fato é que para boa parte dos pais, talvez a maioria, dizer a
verdade com clareza é muito, muito difícil. Pais que tiveram liberdade para
conversar sobre o tema na infância podem ter mais facilidade, mas não é uma
regra. E os livros podem ser de grande ajuda nessa hora. Escolha algum adequado
para a faixa etária da criança e leia com ela. Se já for maiorzinho, deixe ao
lado da cama, e diga que é interessante para a idade dele. Mas nunca, jamais,
em tempo algum, tente propor um momento único para ter uma “conversa de homem
para homem”, ou de “mulher para mulher”. “Uma regra é básica: não existe essa
hora, a gente vai falando no varejo, os pais não são palestrantes que têm de
dar aula de sexo. Devem ir falando à medida que o assunto aparece”, diz a terapeuta
familiar Lidia Arantangy, cujo livro Olho no Olho – Orientação Sexual para
Pais e Mestres é um
guia de perguntas e respostas capazes de sanar (quase) todas as dúvidas sobre o
tema. Baseada em perguntas de crianças reais, a obra é leitura obrigatória para
os pais.
Assim, a educação sexual deve
ser gradual e permanente. Algum episódio, cena ou fato, como os que ocorreram
lá em casa, podem servir para trazer o assunto à tona, às vezes até mais
precocemente do que a gente gostaria, mas as vivências em torno do tema começam
desde sempre. A curiosidade das crianças varia conforme a faixa etária e cabe
aos pais e professores estar a postos para tirar as dúvidas. Claro que há
perguntas que deixam os pais sem fôlego. Vinicius, depois que viu trechos do
filme pornô, nos desafiou (e nos divertiu, porque não dizer) com suas questões.
“Pai, demora muito?”, foi uma delas, querendo saber quanto tempo o homem fica
dentro da mulher. Quando expliquei que o sexo era feito entre adultos que se
amam, Vico não hesitou: “Quer dizer que, quando eu crescer, vou poder colocar o
bingulim na perereca da Manu?”(A Manu é a garotinha que ele “namora” desde os 3
anos...) Também quis saber se quando a gente trancava a porta do quarto era
para fazer sexo. Luiza nunca havia feito essa conexão. Mas ele fez…
As dúvidas também ajudam a ampliar o assunto. Nas nossas
conversas, falamos, por exemplo, dos “apelidos” dos órgãos sexuais, tema bem
abordado no livro Sexo Não É Bicho-Papão,
do sexólogo Marcos Ribeiro. “Não é peruzinho, nem baratinha, filho, mas pênis e
vulva”, diz a mãe em certa altura do livro. E assim o tema vai se
desenvolvendo. Deixa de ser um tabu. Claro que, se um dia você receber um
recado da escola dizendo que seu filho pequeno quis mexer no pênis do
amiguinho, a primeira reação será a de engolir seco. E aí chega a hora de
manter a calma. “Muitos pais demonstram pavor se os filhos, por curiosidade,
mostram interesse em tocar em alguém do mesmo gênero. Isso não quer dizer que a
criança é homossexual, nem que será uma tarada. É descoberta”, tranquiliza
Maria Helena.
Também não é porque seu filho começou a aprender sobre o corpo
humano na escola com mais profundidade que ele passará a só pensar em sexo. É
natural que ele conte o que aprendeu para você, que ache engraçado, que faça
perguntas. E, se a orientação da escola for diferente da sua, converse ainda
mais com ele. Como pais, é preciso mostrar que há espaço para conversar sobre o
assunto, revelar essa abertura. Caso contrário, as crianças vão buscar
informação fora de casa, e a chance de aprenderem tudo errado é grande. E é
aquilo... uma hora, a cegonha não vai colar mais. Melhor estar preparado para
outros rasantes, não é mesmo?Para
boa parte dos pais, talvez a maioria, dizer a verdade com clareza é muito,
muito difícil
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